Cicatrizes Misteriosas - Capítulo 3

25 de mai. de 2014 | | |


"Volte para pegá-lo. Você não vai conseguir ir muito longe sem ele".

Sábado; 18 de junho;
    O despertador tocou. Um alívio percorreu meu corpo quando me toquei que era sábado. Pelo o que eu pude espiar através da janela, era um dia frio, e o sol não quis ficar em evidência. Meu quarto cheirava produtos de limpeza. Tenho quase certeza de que ontem à noite minha mãe resolveu arrumar tudo para mim, e por alguns segundos fiquei arrependida de não ajuda-la. Se bem que minha mãe não tinha nenhum passatempo além de administrar a casa, isso desde que meu pai morreu. Senti uma pequena dorzinha ao lembrar. Eu não sei ao certo o que aconteceu, não faz tanto tempo assim, mas simplesmente aconteceu.
    Espreguicei-me, e assim que consegui me acostumar com a claridade, fitei o teto por um bom tempo. Pôsters estavam presos nele. Várias bandas que eu gostava quando tinha quatorze anos. Hoje, pra mim tanto faz. Costumo ouvir no ipod músicas que Lana coloca sem nem saber o nome.
     Levantei-me da cama, e fui em direção ao espelho. Por curiosidade de voltar ao passado, o abri. Tomei um susto ao encontrar coisas. Segredos, para ser mais exata. Calmantes, antidepressivos, lâminas, uma fita métrica, e cocaína — que a propósito, eu nunca tive coragem de ingerir.
     Eu não quero procurar explicações para o que um dia eu fui. Só achei curioso o fato de eu ingerir tantos remédios por vontade, e hoje contra. Com os olhos marejados, apenas reuni tudo em uma pequena caixa e joguei na lixeira. Logo após, me despi, e tomei uma ducha quente.
     Assim que saí, procurei uma roupa confortável e velha. Uma calça de moletom cinza, uma regata qualquer e uma blusa de frio azul escura. Quando terminei de me vestir, fui em direção ao espelho e comecei a pentear meus cabelos. Passei a mão no canto direito de minha testa, e encontrei lá uma cicatriz. Eu a odeio, e tenho desde quando era criança. Ela é bem pequena, então não chama atenção, mas eu seria grata se ela sumisse dali. Penso assim: não importa o que seja, carregar no corpo as marcas de uma dor passada te faz pior ainda. Os machucados de segunda ainda estavam ali, mas já não doíam tanto. Eram pequenos arranhões, eu tinha certeza de que não ficariam ali por muito tempo.
     Continuei a pentear, e quando terminei, calcei meus chinelos — os mesmos que minha avó trouxe do Brasil —, saí do meu quarto e desci as escadas.
    — NÃO, RAIDEN, NÃO! Qual é? Mostre que é capaz de derrotar esse otário — ouvi Peter dizer, apertando os botões do controle de seu videogame rapidamente, assim que alcancei a sala.
    — Quem te ensinou a xingar? — perguntei, segurando uma risada e cruzando os braços — Aliás, por que está acordado à essa hora?
     — Foi o Daniel, ué — deu de ombros — A culpa não é minha. E eu acordei porque eu tive um pesadelo muito assustador... — soltou o controle de seu videogame e me fitou. Suas bochechas estavam coradas, e ele parecia estar nervoso.
     — Assustador, é? E por acaso nesse pesadelo tinha o Raiden? E por acaso ele precisava derrotar algum “otário”?
     — Sim — riu. Fui até ele e comecei a fazer cócegas. Crianças sempre procuram enxergar o lado bom dos fatos e se apoiar em alguém que possa protege-las. Eu queria ter coragem de fazer os dois.
    — Quer que eu faça seu café da manhã?
    — Quero achocolatado. — sorriu. Assenti e caminhei até a cozinha.

    Antes que eu possa começar a lavar as louças, vi Daniel descendo as escadas.
    — Já está pronto, Peter? Sua aula começa às nove em ponto. — Peter fazia algumas atividades extracurriculares, como natação e judô. Fitei Daniel, perguntando-me se ele não iria me desejar ao menos um “bom dia”.
    Ele me encarou de volta, e eu tentei sorrir. Ele permaneceu estático, enquanto Peter subiu as escadas para ir se preparar.
    — Bom dia, Daniel… — eu disse, tentando puxar um pouco de conversa.
    — Bom dia, SeuNome. — ele respondeu, sem reação.
    — Me desculpa… — abaixei a cabeça, e larguei as louças na pia, subindo as escadas correndo.
    Peguei meu celular e disquei o número de Lana, que não atendera. Logo após tentei o de Jenn e, novamente, nada. Por fim, disquei o número de Patrick e ele atendera.
    — Por que diabos você resolveu me acordar à essa hora? Eu estava sonhando com o Keegan Allen, ah, por favor!
     — Bom dia. — ri — Eu estava pensando, que tal irmos ao shopping? Você sabe, meu cartão de crédito e tal — qualquer coisa seria melhor que ficar nesta casa.
    — Nos encontramos na praça. Vou pedir para a Lana ir conosco. — sua empolgação era nítida.
         — Eu acabei de ligar para ela, mas não atendeu… — disse enquanto ia em direção ao guarda-roupa procurar algo legal.
         — Alô-ou! Eu, Patrick vou ligar. Se ela não quiser nos levar eu assalto o carro dela, entendeu?
         — Tudo bem então, senhor Patrick superior. Nos vemos na praça. — desliguei.
         A praça ficava à apenas três quarteirões dali, eu conseguiria ir à pé. Coloquei um vestido de alças e uma sapatilha, deixei o cabelo solto e liso do jeito que estava, passei apenas um gloss e um lápis de olho preto. Em meus pulsos a minha pulseira preferida estava lá. Imediatamente lembrei de quando Styles me devolveu. Aquela foi a única vez em que ela saiu dali. Suspirei e desci as escadas novamente.

       Cheguei na praça algum tempo depois. Sentei-me em um banco ao lado de um senhor que aparentava estar na faixa dos setenta anos, esperando Patrick chegar. O senhor jogava grãos para os pombos, sorrindo quando algum bicava.
     — Quer? — perguntou, apontando um saquinho com poucos grãos.
     — Não, obrigada. O senhor tem pouco, não quero pegar tudo — sorri.
     — Pode pegar. Pode ser pouco, mas alimentar os animais com este pouco me faz feliz. Quantidade não significa felicidade, não é mesmo? — sorriu, e voltou a jogar comida para os pombos.
    — É. Quando se tem amor, nada importa. — eu não tinha certeza disso, mas disse apenas por dizer.
     — E o seu amor, onde deixou? — perguntou, ainda sem tirar os olhos dos pombos.


     — Não sei, ué. — dei de ombros, sem entender o que ele quis dizer.
     — Volte para pegá-lo. Você não vai conseguir ir muito longe sem ele — me fitou.
     Antes que eu pudesse responder, ouvi uma buzina, e virei-me. A cena era hilária. Patrick gritava “uhul” enquanto buzinava e ouvia Britney Spears.
     Caminhei até a porta de trás do carro, fitando Lana no banco de carona implorando para ele abaixar o som.
     — Ih, relaxa, amiga! Vamos viver, ser felizes... — dirigia, acenando para todos que o olhavam torto.
     — Quem te deu um fora dessa vez? — perguntei, prevendo o porquê de sua forma estranha de querer extravasar.
     — Ethan. Acredita? Ele deu um risinho falso pra mim, dizendo: desculpa, mas eu não jogo no mesmo time que você. Menina, ele não sabe o filé que perdeu! — balançou com a cabeça. — Mas esquece... Espero que tenha trago seu cartão de crédito. E você também, Lana. Não sou rico igual à vocês. E amigo é pra essas coisas, claro — gargalhou.
***
     O shopping não era muito longe dali. Como já era previsto, eu só comprei algumas peças de roupa, e Patrick estourou meu limite mais rápido do que eu poderia imaginar. Claro, era emprestado, eu sabia que ele iria me devolver em dinheiro depois, mas era incrivelmente engraçada a capacidade dele de conseguir gastar 300 dólares em menos de uma hora.
     Assim que cheguei em casa, troquei de roupa e ajudei minha mãe com o jantar. Não era uma tarefa tão difícil, ainda mais quando eu a via sorrindo ao me ver falar de coisas aleatórias.
     Depois que terminei de jantar, fitei o relógio da sala. Faltavam quatro minutos pras oito da noite. Olhei para a minha mãe, que via a novela.
     — Mãe, não acha que seria legal se eu me matriculasse em alguma aula diferente lá da escola?
     — Eu posso fazer um esforço pra pagar se você quiser...
     — Não, eu estava pensando em trabalhar. Patrick trabalha, e hoje ele disse que tinha uma vaga pra mim. E a parte boa é que é só de noite, então eu poderia muito bem sair da escola, fazer as aulas e depois ir trabalhar. É claro, antes de começar eu vou ter que trabalhar mais... Enfim, de qualquer forma, deixa pra lá... Tenho que ter tempo pra ficar em casa, não é?
     — Não, espere. É uma boa ideia ter responsabilidade desde cedo. O que quer estudar?
     — Não sei. Eu gosto bastante de lutar, então estava pensando em fazer karatê. Mas também gostaria de fazer informática.
     — Informática é melhor, não acha?
     — É. Tem razão — assenti, sorrindo — Vou falar com Patrick.
     — SeuNome... Dave te ligou hoje, assim que saiu. Ele disse que queria te ver, mas eu disse que você estava ocupada. Não acha que está na hora de conversar com ele, para ver se é isso que realmente querem?
     — Tem razão também — disse, tentando segurar não responder outra coisa.
     — Por que quer fazer karatê? O filho de um amigo meu é o melhor aluno de karatê lá da Constance. — sorriu.


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